A ironia do destino                                    

         Ao assistir a uma reportagem sobre violências nas cidades onde predominavam acontecimentos de chuvas de “balas perdidas”, ocorreu-me à lembrança de um caso que se passou comigo numa cidade do interior onde residíamos com toda a nossa família.  Meu pai possuía duas fazendas; uma ao norte da cidade e outra ao sul. 
Todas as vezes que precisávamos levar o gado de uma fazenda para a outra, contratávamos uma frota de carretas para atravessar a cidade do norte ao sul; mas um dia não conseguimos o contrato das carretas e resolvemos atravessar o gado, tocando-os por peões a cavalos e aproveitando a madrugada, quando às três horas a cidade se encontrava totalmente deserta.
         A cidade tinha uma linha férrea que a atravessava de norte ao sul e, na parte sul tinha uma rua que seguia lateralmente a linha férrea na parte baixa, e tinha a opção de subir uma rua que seguia a beira de um morro.  Entre a rua alta e a linha férrea, havia algumas residências, numa das quais residia um chefe de família que levou a vida inteira sustentando a família com a produção de lingüiças suínas, famosas pelos temperos que conquistaram o gosto da população.
         A família não era de grandes poderes aquisitivos, mas se mantinha num padrão razoável de vida, pois na alimentação poucas vezes eram incrementadas com a carne bovina que oneravam os orçamentos da família.  Mas sempre que o chefe da família estava cortando um suíno para desmanchar em lingüiças, repetia para sua esposa — um dia choverá carne bovina sobre este lar.  Era uma família muito religiosa e acreditavam nos sonhos e esperanças que nutriam na força que tinham para viver.
         No dia em que meu pai resolveu transportar o gado de uma fazenda para a outra, escalou-me para acompanhar os peões, mesmo sabendo que eu só tinha 16 anos, mas precisava treinar-me ao trabalho, assim fui à retaguarda com outros peões tocando uma média de trezentas reses com um peso médio de quinze arroubas.
         Era basicamente três horas da madrugada, quando chegamos à bifurcação das ruas que seguia na lateral da linha férrea e a rua que subia a beira do morro, acima das casas que tinham suas frentes para a linha férrea.  O rebanho seguiu a rua baixa, mas cinco das reses seguiram a rua de cima.  Então, meu pai e alguns peões ficaram me aguardando enquanto eu fui cercar as reses extraviadas.
         Galopando em meu cavalo, consegui ultrapassar as reses, mas quando as cerquei, uma das reses apavorada se atirou em cima do telhado de uma das casas, mas eu consegui dar a volta e chegar à rua baixa que passava a frente das casas, quando, justamente o fabricante de lingüiças suínas, que sempre falava à esposa que um dia choveria carne bovina em sua casa, abriu a porta da sala de onde saiu escorregando no encerado a rês que caiu em cima de seu telhado.
Roberto Jardim

                                                                                                                                                                               18/06/2005

Comentários

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